domingo, março 10, 2013

Sindicatos juntos contra comissário

DN (VÍDEO)


Entrevista a Dionísio Câmara

Dionísio Câmara é madeirense e presidente nacional do SIAP. O polícia dá conta da degradação dos meios materiais ao serviço da PSP e da perda de direitos da classe, numa altura em que o Governo fala no aumento da idade para passagem à reserva.
Na Madeira, a falta de condições das viaturas e o ‘caso Roberto Fernandes’, condenado por crimes de favorecimento pessoal e falsificação de documentos, lideram as preocupações do sindicato que tem entre mãos várias diligências para exigir a abertura de um processo disciplinar.
O país enfrenta uma conjuntura bastante complexa. Quais são os principais problemas que afectam a polícia?
Neste momento, os meios materiais. As viaturas têm sido um grande problema aos níveis nacional e regional. Ao nível nacional, há falta de viaturas para os agentes poderem executar um serviço digno à população.
Há risco de pôr em causa a segurança pública?
Não. Há sempre um esforço da direcção nacional para resolver os casos das viaturas avariadas e devolvê-las o mais rápido possível às esquadras.
A situação é pior, hoje?Completamente. Piorou ao nível material, o que dificulta a eficácia dos agentes em resolver os problemas.
Na Madeira foi notícia, esta semana, o mau estado das antenas dos rádios intercomunicadores usados pelos polícias. Isto é sintomático de carências consideradas básicas?Sim.
Outro dos assuntos na ordem do dia é o caso ‘Roberto Fernandes’. O que é que motivou este processo?A desigualdade com que o Comando Regional tem tratado este processo. Não está a ser exercido o regulamento disciplinar que tem de ser aplicado a todas as forças de segurança, desde a classe de oficiais, à classe dos chefes e à classe dos agentes. Não é o que se passa com o caso do comissário Roberto Fernandes. Eu digo comissário mas, se olharmos ao processo, ele deveria ser subcomissário porque subiu a comissário com o processo já a decorrer no tribunal.
É bom que isto fique claro.
E pode ser despromovido?Segundo a advogada deste sindicato, o comissário poderá ser despromovido. Nós vamos fazer tudo para que isso venha a acontecer.
Tanto quanto foi noticiado, o Comissário já foi alvo de um procedimento disciplinar.
Pode haver novo processo?
Pode haver. E quanto a esse processo disciplinar, ele é desconhecido pelos sindicatos.
A Direcção Nacional da Polícia adiantou, hoje, que o processo disciplinar foi arquivado por falta de matéria disciplinar e que não existe ligação entre a infracção disciplinar registada e a pena a aplicar.
O que significa isto?
Essa explicação da direcção nacional está completamente errada. Essas declarações não coincidem com a realidade porque se o Tribunal provou o crime que ele cometeu, automaticamente a direcção nacional tem, através do seu regulamento disciplinar, de provar o mesmo.
Essa acção é obrigatória?Completamente obrigatória.
Então porque é que ainda não houve processo?
Eu penso que o comissário Roberto Fernandes tem um anjo da guarda que o protege. Ainda não entendi é quem é esse anjo da guarda. Se formos a ver, estas coisas só acontecem no comando regional da Madeira e em relação ao comissário Roberto Fernandes.
Há um regime de excepção na Madeira?Completamente. Esta situação é, actualmente, motivo de revolta ao nível nacional. Tenho recebido telefonemas de oficiais a admirar a coragem deste sindicato em denunciar este caso.
Um novo processo depende, então, da direcção nacional. Há vontade para isso?
Acho que não. Já escrevi para a direcção nacional. Já fui recebido pelo sr. ministro quando recebeu a pasta. Expliquei-lhe a situação e até hoje não houve resposta.
Não há, aqui, uma espécie de perseguição pessoal ao comissário Roberto Fernandes?
Não. Eu nem o conheço pessoalmente. O que queremos é que haja igualdade de tratamento para todos os polícias. O regulamento disciplinar tem de ser aplicado a todas as classes.
Essa reivindicação é legitimada pela confirmação do Tribunal da Relação à sentença atribuída pela Vara Mista do Funchal a Roberto Fernandes?
Exactamente. Isso dava automaticamente expulsão da PSP, comparando com outras situações.
Essa é a convicção do SIAP?E não só. Neste momento, são vários os sindicatos que se querem juntar a esta luta.
Esta falta de consequência para Roberto Fernandes põe em causa a estabilidade interna e a imagem da polícia?
Isto é uma vergonha. Os polícias da Madeira estão de costas voltadas para o comissário Roberto Fernandes. Têm é medo de falar e de represálias. Eu recebo várias mensagens em Lisboa a solicitar o sindicato, a dar os parabéns pelo trabalho que está a ser feito e pedem que não se deixe cair isto em ‘saco roto’.
O SIAP impugnou o concurso para promoção a subintendente, devido à candidatura de Roberto Fernandes. A promoção vai adiante?
Se a lei funcionar como deve ser, o curso está automaticamente impugnado.
Quando fala em expulsão, há outros casos paralelos?Temos um caso muito parecido do comissário Marinheiro que exercia no comando de Vila Real e cuja pena foi a expulsão. Depois, mais tarde, é que lhe foi aplicado dias de multa e depois a transferência para o Comando de Ponta Delgada, nos Açores.
A que se deveu essa diminuição de pena? Isso não tira alguma razão ao sindicato?
Sim. Aliás, estamos revoltados, mas isso tem a ver com o comandante que saiu há pouco tempo, Guedes da Silva, que achou de lhe atribuir esta pena. Pedimos explicações. Até hoje não nos responderam.
Na Madeira, há outros casos de expulsão, nomeadamente um que diz respeito à utilização endivida de dinheiro da PSP?Sim. Temos um elemento que foi, infelizmente, embora. A polícia em vez de o ajudar e tentar compreender o que ele fez e que sabemos que não é legal... Abasteceu a viatura pessoal com o cartão da instituição. Houve processo crime e, automaticamente, processo disciplinar. Neste caso, houve expulsão.
Há uma diferença de tratamento para agentes e oficiais?Eu chego à conclusão que os srs. oficiais são imunes ao regulamento disciplinar.
O que está a dizer em relação a Roberto Fernandes é algo bastante grave. Essas acusações estão documentadas e provadas?Completamente. O que o comissário Roberto Fernandes fez não lhe dá outra hipótese, senão a expulsão da PSP.
Está a referir-se à falsificação de documentos para benefício de familiares?
Exactamente e temos outras situações graves. Tenho provas de que ele andou com a viatura descaracterizada da PSP. Andou a passear com a família pela Praia Formosa, pelo pico do Areeiro, levou os filhos à escola, utilizando a cadeirinha de bebés no carro descaracterizado das brigadas. Nessa altura, recebi indicações, por fax, das brigadas a dar conta que não tinham viatura para o serviço.
O SIAP tem provas do que diz?Exactamente. Temos provas por escrito, provas documentais. Tenho uma carta com toda a documentação que prova tudo isso.
Isso não daria azo a um novo processo?Completamente. O comando regional abriu o processo, o caso foi para o tribunal que pediu explicações e o comando regional explicou o que quis e entendeu. O que é de lamentar é que o tribunal do Funchal não chamou o sindicato para ser ouvido sobre esta matéria. É mais um processo que vamos querer abrir porque o sindicato tem de ser ouvido. Alguns agentes do comando regional estão dispostos a prestar declarações sobre o carro descaracterizado que ele usou. Se formos a ver, o combustível também foi pago pelos contribuintes.
Então este crime é mais grave do que o praticado pelo agente expulso?
Completamente. Eu vi e tenho testemunhos. Vimos o comissário a sair da sua residência com a viatura descaracterizada, com o filho sentado na cadeirinha, a ir leva-lo à creche chamada ‘Os reguilas’. Eu e três colegas estivemos, desde as seis da manhã, à porta da casa dele, para ver e para fotografar tudo isto. O comando regional manteve-se até hoje em silêncio.
Quando é que o sindicato pensa dar início a este processo?
Na próxima segunda-feira, vou reunir com outros sindicatos e vamos tomar uma posição conjunta. Há a ideia de virmos todos à Madeira para, à frente do comando regional cantar a música de Zeca Afonso ‘Grândola, Vila Morena’ e exigir a abertura do processo disciplinar do comissário Roberto Fernandes. Várias pessoas da Madeira estão dispostas a nos acompanhar porque acham que isto é uma grande injustiça.
O SIAP mandou cartas ao Ministério da Administração. Teve algum ‘fedback’?Até hoje não obtívemos resposta nenhuma. Só quem nos contactou, através de ofício, foi o sr. procurador-geral da República que confirmou ter dado conhecimento à direcção nacional, ao MAI e ao comando regional do processo de Roberto Fernandes. O mais grave é que eu entreguei esse ofício ao novo director nacional. Ora, já passou mais de um ano e não houve resposta.
Já há resposta à audiência pedida ao Ministro da Administração Interna e à direcção nacional da PSP?Ainda não me responderam.
Segundo Ricardo Vieira, advogado de Roberto Fernandes, a decisão judicial não pode influenciar negativamente a carreira do comissário. Como comenta esta afirmação?Eu acho que esse senhor desconhece o regulamento disciplinar da PSP. Acho que foi vergonhoso ele ter dito isso e se vir lamentar a um meio de comunicação, dizendo que o comissário não pode ser punido duas vezes pelo mesmo crime. Ele sabe perfeitamente que, sempre que há um processo crime, o tribunal informa o Comando e este tem que abrir um processo disciplinar. Acho que ele devia estudar um pouco o regulamento disciplinar da PSP.
O que diz o dr. Ricardo Vieira é que o comissário foi sujeito “não uma, mas duas vezes ao poder disciplinar exercido”...Toda a gente diz que esses processos foram abertos. Eu já pedi o número do processo ao comando regional. Até hoje, nunca me informou sobre o número do processo, o dia, o mês ou o ano... Se bem sei, de uma fonte do Núcleo de Deontologia do Funchal, nunca foi aberto processo disciplinar.
Houve crime sem castigo?Exactamente. E isso não pode acontecer. Se o comissário Roberto Fernandes não for punido, haverá uma grande revolta aos níveis nacional e regional.
Há aqui algo de muito estranho...
É um caso único na PSP e isto só vem denegrir a imagem da instituição
Actualmente, há também decisões políticas que estão a afectar a polícia. Como é que o sindicato reage à notícia de que o Governo quer aumentar a idade de passagem à reserva dos agentes da PSP?Não estamos a ver um homem com 57 anos andar a fazer patrulha. Todos os sindicatos estão contra isto. A nossa profissão é desgastante. Eu até sou da opinião que os polícias deviam partir para a aposentação aos 50 anos (...) O Governo devia olhar para a polícia de uma forma diferente, por exemplo, de como olha para os funcionários públicos que têm um horário das 9 às 17 horas. Os nossos turnos são rotativos, fazemos 3 ou 4 noites seguidas e é muito desgastante.
A austeridade também chegou à PSP...Sim. O que revolta é que o Governo considera os agentes da PSP como funcionários quando é para pagar. Quando se trata de direitos, a resposta que nós dão é que temos de seguir o estatuto policial.
Há atrasos no pagamento de gratificados?
Sim. Até que aqui na Madeira os centros de saúde deixaram de ter polócia. Foi retirada em Câmara de Lobos, Machico e Ribeira Brava, salvo erro, porque há vários anos que o Governo não paga os gratificados. Isto põe em causa a segurança dos médicos. Nunca se sabe quem é que poderá entrar nos centros de saúde às 3 ou às 4 horas da manhã.
Que opinião tem do actual comandante regional?
É uma pessoa exemplar (...) Penso que se estivesse no Comando regional em 2004 o comissário Roberto Fernandes tinha tido um processo disciplinar.
E agora não poderia ter um papel activo?Penso que ele vai fazer tudo por tudo para isso acontecer.
Isso quer dizer que vai exigir responsabilidades ao anterior comandante?Vou exigir responsabilidades ao sr. comandante Guedes da Silva que nessa altura esteve cá, ao sr. Oliveira Martins que exerceu funções de comandante regional e que se manteve sempre em silêncio, ainda mais questionando a representatividade do nosso sindicato, num meio de comunicação social.
Quando fala em protecção refere-se a estas entidades?
Exactamente.
Por falar em sindicato, como é que as estruturas nacionais viram a integração recente de Roberto Fernandes numa delegação regional?
É verdade. Ele entrou para o sindicato dos Oficiais depois tanto criticar os sindicatos. Ele entrou para o sindicato porque há um artigo que protege os delegados e os dirigentes sindicais que não podem ser transferidos de Comando sem o consentimento do presidente do sindicato (...) é bom que se explique que o ministro da Administração Interna tem poderes acima deste artigo. A maior vitória dos agentes do comandanto regional era ver o comissário Roberto Fernandes ser transferido para o Continente.
O tempo empregue na vida sindical vale a pena?Vale muito a pena lutar por esta instituição (...) mas também tenho tido os meus problemas ao nível interno. Só o sr. comissário Roberto Fernandes já apresentou três queixas crime contra mim. Uma foi arquivada e espero que as outras também.
Como vê estas manifestações quando a PSP tem razões para se manifestar?
Quantos homens estavam na Assembleia da República com o seu coração desejo de estar do outro lado... oxalá não chegue ao dia em que esses homens não se junte ao povo para lutar também pelos seus direitos.






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