Sol
O
Comissário da PSP Roberto Fernandes, actual comandante adjunto da
Divisão do Funchal, foi condenado a dois anos de prisão, com pena
suspensa, por crimes de favorecimento pessoal e falsificação de
documentos – factos praticados há sete anos –, mas até hoje nunca foi
punido nem sequer suspenso de funções, como determina o regulamento
disciplinar da instituição. No dia 24 de Junho, a Vara Mista do
Funchal deu como provado que, em 2004, na sequência de um acidente de
viação em que estiveram envolvidos os seus pais, o oficial cometeu um
crime de favorecimento praticado por funcionário e outro de falsificação
de documento, a que equivalem penas de cinco e três anos de prisão. A
acusação do Ministério Público (MP) foi deduzida já em Março de 2009,
tendo o oficial contestado – mas acabou por ser pronunciado para
julgamento pelo juiz de instrução.
Sindicatos denunciam 'protecção'
Nessa altura, impunha o regulamento disciplinar, no seu artigo 38, que o Comissário, madeirense de 35 anos, fosse suspenso de funções, com a perda de um sexto do vencimento – o que nunca aconteceu.
Há muito que a situação está a causar mal-estar no seio do comando regional da Madeira. Várias forças sindicais contactadas pelo SOL falam em «protecção» e garantem que nunca a PSP instaurou qualquer processo disciplinar ao oficial.
Ao SOL, o comissário Fábio Castro, porta-voz da Direcção Nacional da PSP – que testemunhou a favor do arguido, por exercer na altura funções de comando na mesma esquadra – disse que o «processo disciplinar» foi aberto em 2004, mas «arquivado por falta de matéria disciplinar». A verdade é que, até ao fecho da edição, a PSP não revelou o número do procedimento, onde correu termos e em que data foi arquivado. A ter existido, o mesmo teve de ser arquivado logo naquele ano, pois em 2005, um ano depois dos factos, Roberto Fernandes foi promovido a comissário.
O seu percurso foi, aliás, sempre ascendente, pontuado por louvores e condecorações. Em 2009, foi nomeado comandante da divisão do Funchal tendo chegado a ser porta-voz do comando regional entre 2008 e 2010. Já em Março deste ano, foi admitido num concurso de promoção a subintendentes.
A Justiça 'pegou' no caso em 2006. Já tinha chegado ao MP uma carta anónima, que um procurador da República resolveu tirar a limpo. Era o arguido ainda subcomissário e comandante da esquadra de Câmara de Lobos, quando, a 11 de Junho de 2004, um condutor (Ricardo Sérgio) embateu na traseira do automóvel conduzido pelo pai de Roberto Fernandes. O pai ligou ao filho, que resolveu ajudar. Já no local, à civil, o subcomissário declarou perante os dois agentes que ali chamara: «A haver expediente, eu trato do assunto». E assim foi. Elaborou o auto de notícia (prática que lhe está deontologicamente vedada), onde escreveu que os envolvidos apresentaram taxa de álcool de 0.00 g/l: «Os condutores acabaram por resolver amigavelmente o acidente, dispensando os préstimos desta Polícia. O condutor (Ricardo Sérgio) declarou-se culpado pelo acidente, esclarecendo que a dada altura teve uma tontura e perdeu o controlo do seu automóvel».
Na verdade, Ricardo Sérgio acusou 1,95 g/l, taxa confirmada tanto pelo teste qualitativo como quantitativo. Um facto que o oficial omitiu no auto, acabando por arquivar todo o expediente. «O arguido nunca elaborou qualquer participação do acidente, porque não quis e apesar de assumir que o faria» – lê-se no acórdão.
Forjou participação para beneficiar o pai
Ao mesmo tempo, para justificar a taxa-crime e o respectivo talão do teste – a que corresponde um número de controlo interno atribuído pelo aparelho e que obriga a preencher uma ficha de controlo –, o oficial forjou uma participação que associou àquele mesmo talão. Inventou, assim, uma ocorrência, em que o condutor Ricardo Sérgio se envolvera em desacatos por estar alcoolizado – cenário que não traria consequências criminais.
Ao não comunicar os factos ao MP, o comissário eximiu o infractor de responsabilidades criminais, evitando que fosse julgado. O que ganhava com isso o oficial? «Garantir que não surgiam quaisquer contratempos com a reparação do carro do pai, mesmo que para isso o infractor viesse a ser favorecido», evidencia o acórdão. De resto, o condutor Ricardo Sérgio só teve os documentos de volta quando pagou a reparação do carro do pai do comissário, no valor de 350 euros.
Dionísio Câmara, presidente do Sindicato Independente dos Agentes de Polícia, tem denunciado activamente o caso, tanto à tutela como à Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI), mas sem resultados. «Este homem deve ter um anjo da guarda muito forte. É escandalosa a forma como se mantém impune quando há dezenas de agentes e chefes a esperar anos a fio por uma decisão do tribunal para poderem ser promovidos». E dá o exemplo de um outro comissário da PSP, que enfrenta actualmente uma pena de demissão: fora condenado em 2008 pelos mesmos crimes, por ter favorecido um ex-inspector da Polícia Judiciária que conduzia alcoolizado.
À IGAI chegaram inúmeras queixas, incluindo um dossiê sobre o caso enviado pela Associação Sindical dos Profissionais de Polícia, o maior sindicato da PSP. A IGAI assume que nada fez, alegando que «não é titular do poder disciplinar» sobre os agentes, cabendo-lhe apenas propor a instrução de processos disciplinares e instruir aqueles que forem determinados pelo ministro da Administração Interna.
Contactado pelo SOL, o advogado de Roberto Fernandes disse que vai interpor recurso no Tribunal da Relação de Lisboa, recusando fazer mais comentários.
sonia.graca@sol.pt
Sindicatos denunciam 'protecção'
Nessa altura, impunha o regulamento disciplinar, no seu artigo 38, que o Comissário, madeirense de 35 anos, fosse suspenso de funções, com a perda de um sexto do vencimento – o que nunca aconteceu.
Há muito que a situação está a causar mal-estar no seio do comando regional da Madeira. Várias forças sindicais contactadas pelo SOL falam em «protecção» e garantem que nunca a PSP instaurou qualquer processo disciplinar ao oficial.
Ao SOL, o comissário Fábio Castro, porta-voz da Direcção Nacional da PSP – que testemunhou a favor do arguido, por exercer na altura funções de comando na mesma esquadra – disse que o «processo disciplinar» foi aberto em 2004, mas «arquivado por falta de matéria disciplinar». A verdade é que, até ao fecho da edição, a PSP não revelou o número do procedimento, onde correu termos e em que data foi arquivado. A ter existido, o mesmo teve de ser arquivado logo naquele ano, pois em 2005, um ano depois dos factos, Roberto Fernandes foi promovido a comissário.
O seu percurso foi, aliás, sempre ascendente, pontuado por louvores e condecorações. Em 2009, foi nomeado comandante da divisão do Funchal tendo chegado a ser porta-voz do comando regional entre 2008 e 2010. Já em Março deste ano, foi admitido num concurso de promoção a subintendentes.
A Justiça 'pegou' no caso em 2006. Já tinha chegado ao MP uma carta anónima, que um procurador da República resolveu tirar a limpo. Era o arguido ainda subcomissário e comandante da esquadra de Câmara de Lobos, quando, a 11 de Junho de 2004, um condutor (Ricardo Sérgio) embateu na traseira do automóvel conduzido pelo pai de Roberto Fernandes. O pai ligou ao filho, que resolveu ajudar. Já no local, à civil, o subcomissário declarou perante os dois agentes que ali chamara: «A haver expediente, eu trato do assunto». E assim foi. Elaborou o auto de notícia (prática que lhe está deontologicamente vedada), onde escreveu que os envolvidos apresentaram taxa de álcool de 0.00 g/l: «Os condutores acabaram por resolver amigavelmente o acidente, dispensando os préstimos desta Polícia. O condutor (Ricardo Sérgio) declarou-se culpado pelo acidente, esclarecendo que a dada altura teve uma tontura e perdeu o controlo do seu automóvel».
Na verdade, Ricardo Sérgio acusou 1,95 g/l, taxa confirmada tanto pelo teste qualitativo como quantitativo. Um facto que o oficial omitiu no auto, acabando por arquivar todo o expediente. «O arguido nunca elaborou qualquer participação do acidente, porque não quis e apesar de assumir que o faria» – lê-se no acórdão.
Forjou participação para beneficiar o pai
Ao mesmo tempo, para justificar a taxa-crime e o respectivo talão do teste – a que corresponde um número de controlo interno atribuído pelo aparelho e que obriga a preencher uma ficha de controlo –, o oficial forjou uma participação que associou àquele mesmo talão. Inventou, assim, uma ocorrência, em que o condutor Ricardo Sérgio se envolvera em desacatos por estar alcoolizado – cenário que não traria consequências criminais.
Ao não comunicar os factos ao MP, o comissário eximiu o infractor de responsabilidades criminais, evitando que fosse julgado. O que ganhava com isso o oficial? «Garantir que não surgiam quaisquer contratempos com a reparação do carro do pai, mesmo que para isso o infractor viesse a ser favorecido», evidencia o acórdão. De resto, o condutor Ricardo Sérgio só teve os documentos de volta quando pagou a reparação do carro do pai do comissário, no valor de 350 euros.
Dionísio Câmara, presidente do Sindicato Independente dos Agentes de Polícia, tem denunciado activamente o caso, tanto à tutela como à Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI), mas sem resultados. «Este homem deve ter um anjo da guarda muito forte. É escandalosa a forma como se mantém impune quando há dezenas de agentes e chefes a esperar anos a fio por uma decisão do tribunal para poderem ser promovidos». E dá o exemplo de um outro comissário da PSP, que enfrenta actualmente uma pena de demissão: fora condenado em 2008 pelos mesmos crimes, por ter favorecido um ex-inspector da Polícia Judiciária que conduzia alcoolizado.
À IGAI chegaram inúmeras queixas, incluindo um dossiê sobre o caso enviado pela Associação Sindical dos Profissionais de Polícia, o maior sindicato da PSP. A IGAI assume que nada fez, alegando que «não é titular do poder disciplinar» sobre os agentes, cabendo-lhe apenas propor a instrução de processos disciplinares e instruir aqueles que forem determinados pelo ministro da Administração Interna.
Contactado pelo SOL, o advogado de Roberto Fernandes disse que vai interpor recurso no Tribunal da Relação de Lisboa, recusando fazer mais comentários.
sonia.graca@sol.pt
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