Ontem, o País ficou a saber que o julgamento de Isaltino Morais, mandado repetir pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por um caso de corrupção relacionado com o processo das contas na Suíça, já não vai realizar-se. Tudo porque, mais uma vez, a justiça exibiu publicamente a sua incompetência ao permitir a prescrição do suposto crime de que estava acusado o autarca de Oeiras.
As prescrições existem para que os processos não se eternizem. Os prazos fixados na lei fizeram-se para que a justiça, nas suas diferentes dimensões, atue da forma mais rápida possível. Os factos imputados a Isaltino Morais - o alegado favorecimento de um empreiteiro a troco de dinheiro - datam de 1996. Têm, portanto, mais de 15 anos. Bem sei que a corrupção é um crime de especial complexidade, de produção de prova difícil. Mas não será este tempo mais do que suficiente para investigar, instruir, acusar, julgar, condenar ou absolver, à luz do Estado de direito, permitir ainda aos arguidos todos os recursos a que têm direito e, findo este calvário, se cumpra a pena se a esta houver lugar? Ou será este mais um exemplo de que a justiça não é igual para todos? Isto é, quem é influente e tem dinheiro para pagar a bons advogados consegue aproveitar todos os buracos que o Código de Processo Penal oferece. Já a desgraçada, passe o populismo, que rouba uma lata de conservas num supermercado para não morrer de fome é apanhada e engavetada sem apelo nem agravo.
Mas, descontada a caricatura, o caso é demasiado grave para passar em claro e ser resumido apenas a esta interpretação inicial. Questionada sobre as responsabilidades do Ministério Público em mais esta chocante prescrição, Cândida Almeida, a procuradora--geral adjunta responsável pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), tratou de iniciar o tradicional jogo de "passa culpas" em que é pródiga a justiça portuguesa. "O nosso sistema é muito bom, agora o abuso que dele é feito é que é muito mau", sentenciou condenando explicitamente as defesas e, implicitamente, os juízes que permitem o dito abuso. Ora, não ignorará certamente a dra. Cândida Almeida que, hoje, os únicos atores da justiça que estão obrigados a cumprir escrupulosamente os prazos que a lei determina são, precisamente, os advogados. Juízes, Ministério Público e até a Polícia Judiciária, a quem compete investigar, gozam de prazos meramente indicativos. Valeria aliás a pena verificar quanto tempo demorou este processo nas suas fases de inquérito, instrução e julgamento e, quem sabe, não chegaremos a conclusões, no mínimo, curiosas.
Os agentes da justiça, magistrados do Ministério Público e juízes são das profissões mais bem remuneradas da administração pública, professores catedráticos incluídos. Nos últimos tempos, mais do que fazerem com competência aquilo para que são pagos com o dinheiro de todos nós, têm-se entretido a fazer política ativa, o que, aliás, lhes está vedado nos respetivos estatutos profissionais. Ninguém duvidará, por exemplo, que pedir aos ministérios as faturas das despesas dos membros do anterior Governo, se trata, tão-só, de um ajuste de contas políticas com o passado recente. Ninguém porá em causa que investigar e processar opinadores por pretensas declarações difamatórias, e depois julgar e condenar em causa própria com uma rapidez alucinante, se trata de um ato político. Não quero com isto dizer que, em caso de suspeitas fundadas da prática de crimes, não se investigue. Pelo contrário.
Mas a conclusão é óbvia: quando se trata da defesa da corporação, ultrapassam-se todos os limites de velocidade. Quando se trata de fazer aquilo para que realmente são pagos, os agentes a quem compete fazer e aplicar a justiça são incompetentes.
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