Cabeças que se orgulham de exibir um carimbo de sensatez na testa têm anunciado o descalabro da autoridade, o fim da solidez democrática, talvez mesmo o esboroamento da Pátria, a propósito da manifestação de polícias da passada quinta-feira.
Recordo a evolução dos acontecimentos: as grades que separavam 10 mil agentes da PSP dos elementos da Unidade Especial de Polícia foram, a dada altura, levantadas. Um grupo de manifestantes subiu a escadaria do Parlamento. A polícia de choque deixou seguir. Os homens pararam antes das arcadas, gritaram palavras de ordem e, minutos depois, voltaram a descer. Tudo em grande excitação mas em relativa paz - nem um papel caído no mármore ficou a conspurcar o solo que pisam os deputados da Nação.
Imagino a evolução aparentemente esperada pelos que tanto se espantam: os manifestantes derrubavam as grades e desatavam aos tiros para tentar invadir a Assembleia da República. A polícia de choque avançava e desfazia a mole à bastonada e a gás lacrimogéneo. O sangue mancharia a pedra branca da casa da democracia. Contavam-se os feridos e, talvez, os mortos...
Não sei o que disse o ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, ao diretor nacional da PSP por causa do que se passou, levando à demissão de Paulo Valente Gomes. Mas nem quero imaginar o que ele teria de dizer se ocorresse uma batalha campal. Nesse caso Paulo Valente Gomes não só era demitido como teria de responder em tribunal. Era isso que queriam?
Dizem as tais vozes reclamantes do bom senso terem os polícias fragilizado a sua imagem: "A próxima vez que tiverem de expulsar manifestantes a tentar subir as escadarias de São Bento, com que autoridade poderão fazê-lo?", perguntam.
Eu alvitro que a autoridade de exercer a repressão em nome do Estado não se perde assim. Não estou a ver um miúdo encoberto com um lenço palestiniano conseguir convencer o homem fardado de capacete e escudo, a brandir o cassetete: "O senhor não tem autoridade - ui! - para me impedir de subir estas escadas - ai! Pare lá com isso - bolas! - então, está a bater em mim e - porra! - não bateu nos seus colegas? Não há direito - chiça!... apre, que isso dói!"...
É mais séria aquela argumentação apresentada pelos ditos sensatos deste país ou aquela que o louco que aqui escreve vai agora expor? 787 euros era o salário mensal do soldado Bruno Chainho, assassinado sábado, no Pinhal Novo, por um sequestrador.
Enquanto este País pagar desta forma miserável a quem, da PSP ou da GNR, aceita como missão dar a vida por qualquer um de nós, ninguém tem autoridade para criticar protestos tão cândidos como os de quinta-feira.
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