segunda-feira, outubro 04, 2010

Texto Jorge Flores Fotografia Arquivo CM

Auto Motor

O acidente na A25, alvo de investigação do Ministério Público, obrigou Rui Pereira a criar uma nova Divisão de Trânsito. Mas o fantasma da BT continua a assombrar o ministro da Administração Interna. E os números da sinistralidade rodoviária também. A BT poderá reaparecer no meio dos destroços…
 
 
Renascerá a BT das cinzas?
O fantasma da BT continua a atormentar Rui Pereira. O ministro da Administração Interna rejeita arrependimentos por não ter ressuscitado o braço especializado da GNR, neste último ano e meio, apesar dos muitos protestos, mas as suas mais recentes decisões denunciam uma ténue mudança de atitude. Nem que seja aparente.

A criação da nova Divisão de Trânsito (DT), a 23 de Agosto, através de despacho emitido dois dias após do grave acidente da A25, é disso exemplo. Há que mostrar serviço. E Rui Pereira não perdeu tempo a fazer alterações na área da segurança rodoviária, atento também à subida dos números da sinistralidade: no primeiro semestre de 2010 morreram 460 pessoas na estrada, mais duas do que no mesmo período de 2009 – e isto sem contabilizar, por exemplo, as seis vidas que se perderam na A25.

Com a lei orgânica anterior, a mesma que criou a Unidade Nacional de Trânsito (UNT), o objectivo foi descentralizar o comando da BT, que geria 2500 militares da GNR por todo o país, criando novos comandos territoriais. Cada um deles a tomar as suas decisões.

Ora, com a DT, o princípio deveria inverter-se, voltando a existir um comando único. Mas não é bem assim. Segundo consta do despacho que legitima esta nova divisão (composta por 10 oficiais), o objectivo será “planear as actividades relacionadas com o trânsito, transportes terrestres, segurança e prevenção rodoviária”, visando acabar, desta forma, com a falta de um interlocutor para o pelouro do trânsito na GNR. No fundo, criar a ilusão de substituir a BT por uma DT. Mas há quem ache que DT rima mais com UNT...
 
Ex-militares reclamam muito menos a reactivação da BT do que a existência de um comando único. Verdadeiro, e não apenas no papel...
 
DESPACHO REMENDADO
Carlos Barbosa foi uma das vozes mais críticas aquando da eliminação da BT. Talvez por isso aplauda a nova DT. Em declarações à RTP, o presidente do ACP disse que esta foi uma decisão “acertadíssima do actual ministro, que vem colmatar uma decisão dramática e incompetente do anterior ministro António Costa, quando extinguiu da BT”. E disse mais: “Esta decisão é tornar a reactivar a BT com outro nome: existindo outra vez um comando único, que pode ter a capacidade de intervenção rodoviária muito maior do que havia anteriormente. Estamos completamente de acordo: a outra lei orgânica permitia muito mais repressão na caça à multa do que a prevenção que havia anteriormente”.

Já os ex-militares e várias associações de profissionais da GNR não partilham desta leitura optimista. José Moreira, ex-militar da antiga BT, considera que Carlos Barbosa se precipitou nas conclusões. Ou que, então, não terá lido devidamente o despacho. Na opinião do, hoje reformado, operacional da GNR, a solução encontrada por Rui Pereira é autêntico “remendo para tapar os olhos”, mas que não deixa de dar razão ao que defendem há quase dois anos.

O pior é que, na prática, segundo sustenta, as funções agora atribuídas à DT já constavam da UNT. “Há aqui uma sobreposição de competências, conforme pode ler- -se no despacho. A UNT também devia acautelar o planeamento das operações, recolha de informação, elaboração e difusão de normas e a formação. E nunca o fez! Desde que foi criada, em Janeiro de 2009, nunca mais houve instruções, informações sobre as constantes alterações às portarias, nada”, acusa José Moreira.

  A DT, criada por Rui Pereira, não convence os militares da antiga BT. José Moreira, antigo cabo da corporação, aponta os generais do exército como responsáveis pela não reactivação da BT. Porquê? Para não perderem privilégios, como o do tenente-gerneral Mourato Nunes, ex-comandante geral da GNR e oficial superior do exército, que tem hoje um militar, pago pela GNR, a servir de seu motorista particular
 
PRIMEIRA DIRECTIVA: MULTAR!
José Moreira considera que, actualmente, existe uma total inversão dos valores que presidiam à actividade da BT. Segundo afirma, existe uma “paranóia com os radares”, em detrimento da prevenção dos acidentes. “Há radares a funcionarem 24 horas por dia, fixos e escondidos nas auto-estradas”

E dá o exemplo de como tudo continua na mesma com a criação da DT: “A primeira directiva que esta nova divisão tomou foi emanar uma missiva [a que a AutoMotor teve acesso] para todo o dispositivo, a solicitar aos comandos territoriais que sejam mais determinados e empenhados com estes meios, apontando a medida como imperiosa na redução da sinistralidade”, avança o cabo da GNR reformado. Ironizando ainda: “Mais empenho, só se o governo aumentar os dias de 24 para 30 horas, para conseguir ter os radares activos por mais seis horas. Eles já estão ligados o dia todo!”.

Mais grave, para José Moreira, é a inexistência de patrulhas móveis nas estradas. “Não se vê ninguém. No outro dia percorri o IP4 e a A24 e nada. Mas já sabia como encontrá-los. Saí na rotunda da Mirandela e lá estavam eles numa operação stop. Hoje, as operações stop são diárias. Os comandos territoriais têm liberdade de deslocar as patrulhas e os radares para estas operações. Continua a ser assim. E as multas são só de excesso de velocidade. É mais fácil”. Segundo acrescenta, não há sequer a preocupação de colocar os radares fixos nos pontos negros das estradas.

No caso do acidente da A25, a falta de patrulhamento visível poderá ter contribuído de forma categórica para o desastre. Recorde- -se que, na tarde do acidente fatal, uma patrulha do Destacamento de Trânsito da GNR de Aveiro, a única que circulava na A25, foi convocada para sair no Nó de Talhadas, para acorrer a três acidentes ali ocorridos. Na altura, os militares avisaram que, se saíssem do local, dadas as péssimas condições meteorológicas e a afluência do tráfego, poderia acontecer o pior. Terá sido premonição ou conhecimento de causa, mas, meia hora depois, 56 veículos envolveram- se num choque em cadeia, causando nada menos do que seis mortos e 72 feridos.

O Ministério Público está a investigar a possibilidade de existência de crime neste acidente. Mas, enquanto não se apuram as responsabilidades, a vida continua. “Quatro dias depois do acidente, entre as 15 e as 19 horas, a única patrulha da A25 foi desviada para fazer uma operação stop a mais de 70 quilómetros de distância. É a liberdade que eles têm porque não haver um comando único”, conta José Mo - rei ra. Felizmente que, desta vez, não morreu ninguém.
 

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