sábado, abril 06, 2013

Agentes começaram a cumprir maior pena de sempre por violência policial

Público

Os relatórios mais recentes continuam a registar um número significativo de casos de abuso das forças policiais

Dois polícias da esquadra do Bairro Alto, em Lisboa, condenados por espancamento de jovem alemão foram levados para prisão de Évora.
Os dois polícias condenados por terem espancado um jovem alemão na esquadra do Bairro Alto, em Lisboa, foram ontem levados para o Estabelecimento Prisional de Évora para cumprirem a pena mais alta alguma vez aplicada em casos de violência policial: quatro anos de cadeia.
Tudo sucedeu em Julho de 2008. Adrian Grunert, de 23 anos, estudante de Linguística em Portugal ao abrigo do programa Erasmus, apanhou um eléctrico em Lisboa com a namorada. Pendurou-se na traseira do veículo e seguiu viagem sem pagar. No Largo do Conde Barão foi agarrado pelos dois agentes e depois levado para a esquadra. E foi aqui, segundo o tribunal, que os agentes, usando luvas de couro, lhe desferiram vários murros na cara, têmporas e orelhas. Quando tentou fugir, outros dois agentes colocaram-se à frente da porta da sala. Depois de empurrado, caiu no chão, foi pisado, recebeu pontapés nas costas e no peito. Riram-se dele quando pediu ajuda, diz o acórdão. Foi obrigado a despir-se totalmente e a colocar-se de cócoras. Tinha consigo 0,2 gramas de haxixe. Mal saiu das Mercês, foi à esquadra da Lapa apresentar queixa e depois ao hospital, onde recebeu tratamento a traumatismos no corpo, um hematoma retroauricular, escoriações no cotovelo, no abdómen e nas costas.
Os juízes do tribunal de primeira instância que analisou o caso consideraram que, por terem sido praticados por agentes da autoridades, estes actos de violência "colocaram em causa os próprios fundamentos do Estado e a função soberana de prevenção e combate ao crime". Daí terem optado por uma condenação exemplar: por os arguidos terem "traído, de forma grave, a confiança que a generalidade dos cidadãos têm na PSP".
Os vários recursos interpostos até hoje pelos representantes legais dos polícias confirmaram a pena inicial. O seu actual advogado, Santos de Oliveira, entende que um novo recurso que interpôs junto do Supremo Tribunal de Justiça devia ter suspendido a prisão, impedindo o trânsito em julgado da sentença. Mas aparentemente não foi isso que sucedeu. O Sindicato Unificado da Polícia de Segurança Pública (SUP) apresentou entretanto outro recurso.
Polícias divididos
As opiniões dividem-se sobre os efeitos de uma pena exemplar como esta na actuação das forças policiais.
Se para um dirigente do SUP, Peixoto Rodrigues, "esta decisão é grave para a comunidade policial e pode pôr em causa a actuação de toda a PSP", já Paulo Rodrigues, presidente da Associação Sindical dos Profissionais de Polícia, não vê as coisas da mesma forma. "Nós consideramos que quem erra tem de ser responsabilizado", observa. "Mas quando erramos somos severamente punidos, enquanto que quando somos vítimas de violência isso é desvalorizado".
E dá o exemplo de um julgamento a decorrer em Lamego, em que o queixoso, um polícia, foi esfaqueado cinco vezes quando tentava evitar o espancamento de uma criança. "Os agressores respondem apenas por ofensas à integridade física, incorrendo numa pena até três anos de prisão, embora o agente tenha ficado com mazelas definitivas".
Paulo Rodrigues contrapõe esta moldura penal à pena de quatro anos dos polícias do Bairro Alto para alegar que existe "alguma incoerência" entre os dois casos.
Já António Pedro Dores, da Associação Contra a Exclusão e Pelo Desenvolvimento, pensa que o problema é de todo outro, bem diferente. Sublinhando a forma como o tribunal desvalorizou o testemunho dos diferentes agentes que prestaram depoimento, que nunca admitiram ter havido recurso à força, explica que as consequências do que os juízes escreveram no acórdão extravasam este caso particular. "Disseram que os polícias se encobrem mutuamente e que toda a gente sabe disso.
O silêncio da direcção da PSP e do Ministério da Administração Interna sobre esta declaração do tribunal é ensurdecedor".
A sentença de primeira instância fala da forma como os dois homens actuaram, "imbuídos do perigoso sentimento de impunidade que advém de os acontecimentos ocorrerem sob a habitual cortina de fumo de uma esquadra".
Portugal não tem ficado bem no retrato que as Nações Unidas fazem no que a este tipo de episódios diz respeito, assinala a responsável pela secção portuguesa da Amnistia Internacional, Teresa Pina: "Os relatórios mais recentes continuam a registar um número significativo de casos de abuso das forças policiais".
Ressalvando o facto de desconhecer se o caso transitou, efectivamente, em julgado, a mesma responsável remata: "Quanto mais escrutinado e punido for este tipo de actuação mais raro tenderá a ser".

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